domingo, outubro 14, 2007

O QUE ACONTECE NESSA TAL BURMA / MYANMAR ?


"UTILIZE POR FAVOR TUA LIBERDADE PARA PROMOVER A NOSSA"


O apelo é da birmanesa Aung San Suu Kyi , Nobel da Paz de 1991, uma líder do movimento democrático no país, e que se encontra em prisão domiciliar . Legitimamente conhecida como Burma ou Birmânia , Myanmar ganhou este nome dos autoritários que a dominam. É um país do sudoeste asiático.Seus habitantes incluem 135 distintas etnias. Até 1948 foi colônia britânica, e hoje vive sob rígido controle de uma ditadura militar que limita o acesso a internet, meios de comunicação e sistema bancário. Foi também um território ocupado pelo Japão, e os atuais militares golpistas têm um discurso de um suposto "regime socialista"( em dois golpes sucessivos , 1962 e 1988) . Atualmente , 89% da população é seguidora do Budismo Theravada.


Uma recente revolução pacifista ( tendo como princípio a "desobediência civil não-violenta") surgiu por iniciativa de monges budistas theravada (conhecida como "Revolução do Açafrão" - referência à cor dos mantos dos manifestantes religiosos) e tem massivo apoio e proteção dos populares civis, como se vê na imagem abaixo o corredor de isolamento feito por populares de mãos dadas.

A repressão aos movimentos dos monges theravada relatados pelos meios não-oficiais ( especialmente pela rede de computadores, que tem alimentado de provas - filmes , fotografias , etc- a curiosa imprensa internacional) , têm causado grande apreensão pela violência repressiva levada a efeito , tal como descreveu o jornal El País (imprensa espanhola) :
"Cerca de 4.000 monjes budistas detenidos en la última semana en Yangón, la antigua capital de Myanmar (ex Birmania), durante las protestas en favor de la democracia, serán encarcelados en los próximos días en el norte del país, informa la BBC. Según ha confirmado la radio birmana, el estado de muchos de monjes es deplorable: despojados de sus ropas y esposados, se niegan a comer.(...) La disidente Voz Democrática de Birmania ha difundido una imagen que muestra el cuerpo de un monje flotando cerca del nacimiento del río de Yangón, como muestra de la violencia militar." El País , 01/10/2007 .

Com as falas de Aun Su , a líder democrata , podemos extrair o teor da resistência paciente e sabedoria pacifista , que se faz agora visível ao mundo:

"A única prisão verdadeira é o temor, e a única liberdade verdadeira é a liberdade do temor."

"Prevaleceremos porque nossa causa tem razão, porque nossa causa é justa. ... A historia está do nosso lado. O tempo está do nosso lado."

"Penso que isto sucede na grande maioria dos estados autoritários: na superfície, por causa da repressão, tudo parece congelado; porém quando o sol sai e o céu fica claro, você observa que debaixo havia muita vida todo o tempo."


"Penso que deixei bem claro, eu não estou muito feliz com a palavra "esperança." Eu não creio em pessoas que vivem esperando. Trabalhemos pelo que queremos. Eu sempre digo que não se deve esperar sem tentar, então trabalhemos para mudar e implementar a situação que é necessária para o país, e nós estamos seguros que chegaremos à mesa de negociação cedo ou tarde. . . Esta é a maneira que estas coisas acontecem. -- até com o ditador mais selvagem."



César Baldi ,em recente artigo da Revista Cult , analisa os acontecimentos em Myanmar , observando pontos ,que segundo ele , torna o evento inédito e importante :


"Primeiro, porque a secularização ocidental tende a esconder a importância da religião, no contexto asiático, como fator político e social, e o papel da espiritualidade nas lutas por um mundo melhor. Talvez a linguagem secular nem sempre seja a mais adequada ou plausível ou inteligível para veicular tais lutas.


Em segundo, a luta por dignidade humana, não se faz apesar do budismo, mas sim em virtude dele. A plataforma da luta de Suu Kyi, na campanha de 1990, foi extremamente hábil no sentido de procurar retirar da tradição cultural de Myanmar os elementos fundamentais para superar o medo da tirania, escavar idéias para uma justa e boa sociedade, a convivência na pluralidade, a natureza conciliatória e a superação da corrupção que, no budismo, têm quatro formas principais:
a) chanda-gati, derivada do desejo;
b) dosa-gati, decorrente da malícia;
c) moga-gati, provinda da ignorância;
d) bhaya-gati, filha do medo, que destrói o "senso de certo e errado" e está "na raiz das três formas anteriores de corrupção".
Antes que uma tradição alienígena, ela procura demonstrar que a luta por "integridade social e pessoal" estava profundamente enraizada no substrato cultural do país, não se resumindo, pois, a uma luta pelo poder, numa autêntica "tradução" e "legitimação cultural" de luta por "direitos humanos".

Terceiro, porque, compartilhando com o hinduísmo a crença no "dharma", enfatiza o caráter de coesão, de dever para o mundo e de interrelação entre parte e todo, dialoga com as lutas de Gandhi de "satyagraha" (luta pela verdade) e "ahimsa" (não-violência), num sentido ampliado de paz como movimento pró-ativo e compartilhado, num continente avassalado pelas invasões do Iraque e Afeganistão, do risco nuclear representado pelos vizinhos Índia e Paquistão e sob influência crescente da China.

Quarto, porque longe de ser um movimento isolado, os monges de Myanmar se encontram irmanados com o que se convencionou chamar de "budismo engajado", assente nos estados de "metta" (benevolência), "karuna" (compaixão), "mudita" (alegria altruísta) e "upekka" (eqüanimidade), e do qual Sulak Sivaraksa, crítico do golpe militar na Tailândia e defensor da revitalização das "verdades nobres", é mais um dos grandes representantes.

Quinto, porque fica assente que a compreensão do mundo não se reduz à concepção ocidental do mundo e, portanto, a luta por direitos humanos é também uma luta por justiça cognitiva (Boaventura Santos). Como diz Upendra Baxi, pensador indiano, "tomar os direitos humanos realmente a sério requer tomar o sofrimento a sério", torná-lo visível e reduzi-lo, em todos os cantos do universo e sob as mais variadas formas.

Muito sofrimento humano não é reconhecido como violação de direitos humanos. Existe um "pluriverso" de discursos e práticas de libertação e a necessidade de conversações, solidariedades e alianças interculturais entre eles. E neste ponto, o "Sul" tem muito mais a ensinar ao "Norte" do que aprender.

Às vésperas dos sessenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da morte de Gandhi, não são lições de pequena monta.
"




Burma não é só o lugar distante do sudoeste asiático , mas fica no limite de nossa consciência . Chegou a hora de alargarmos nossa consciência.



O artigo As lições de Myanmar , por César Augusto Baldi, está publicado nos sites da Revista Cult e da Revista Caros Amigos .

Veja mais em:

4 comentários:

Unknown disse...

Tudo bem?
Fiquei contente de ver meu texto sobre Myanmar sendo divulgado.Como localizaste? Cult? Caros Amigos? Outro meio?
A Monja Coen publicou também na página dela.
abração
César Augusto Baldi

por Mi Br disse...

Olá César Baldi,

Que bom poder me comunicar com você para agradecer por sua ótima analise sobre os conflitos em Myanmar. Os bons professores retiram "lições" de todos os fenômenos.Você, assim, se mostrou um ótimo "professor". Aprendi muito lendo seu ensaio.
Á propósito da sua questão , encontrei o texto primeiramente no site da CULT, depois o vi também no site da Caros Amigos.
Agredecendo , Gasshô ( Mãos em Prece ), Mirian Brasil.

anabelica disse...

Também aprendi muito com este esclarecedor ensaio!!!
Beijo,
Anabel

por Mi Br disse...

Oi Anabel

Fico contente por sua passagem por aqui e poder compartilhar com você preocupações ( ou ocupações !) pertinentes à cultura da paz.
Um abraço forte , gasshô , Mirian.

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