sexta-feira, maio 01, 2009

Da "brincadeira do compasso" aos "eguns" africanos.


Eu não sei o que é isso de "brincadeira do compasso" , mas meus alunos sabem. E fazem essa brincadeira , pelo prazer do medo que dá , uma adrenalina danada , e de repente - com sorte - pode-se conseguir verdadeiros espetáculos de histeria coletiva . Usa-se um papel com o compasso apontando para nomes de alunos ou pessoas de interesse do grupo.
Nesta semana que se passou , de final do mês de abril , eu não estava na escola quando aconteceu . Alunas do período da tarde promoviam essa "brincadeira do compasso" e de repente , conta-se que , "santos" e "desencarnados" baixaram, pernas entortaram , meninas choravam , outras gritavam , e que os meninos apavorados só observavam. Claro, os meninos são menos afeitos às magias . Magias são coisas de bruxas - mulheres . Os bruxos são raros na história da humanidade.

Quando adolescente , eu participava com amigas - de total confiança, diga-se! - de uma brincadeira dessas. Chamava-se "São .... " (mas, o tempo passou e o nome do santo se foi de minha memória). Punha-se uma chave de porta de quarto amarrada a um livrinho sagrado , que podia ser um missal - éramos católicas ! Daí invocava-se o santo "tal". Duas de nós colocando o livrinho suspenso com o dedo indicador de cada uma em cada um dos lados da chave . "Santo isso , Santo isso , venha aqui" , e para ter certeza de que ele estava alí , perguntávamos " Você está aqui ?" , daí não é que o livro girava para esquerda ou para direita !!!! Sensacional ! , a resposta vinha com o girar do livrinho , quando para a direita era "sim" , quando para a esquerda era "não". Era irresistível , perguntávamos se íamos passar de ano , e , claro , sobre namorados e sobre a vida alheia. Nossas utopias, desejos pessoais e curiosidades sociais eram alí resolvidas .
Era um ritual inocente , mas secreto - e isso é que tornava a coisa séria. Fazíamos sem conhecimento de nossas mães - exceto a de uma que era afeita às magias ( brancas, claro!, pois éramos todas católicas, em primeira tese). Bom , havia um detalhe , às vezes as respostas eram contraditórias, e todas as participantes eram unânimes em pedir que eu me afastasse do livrinho , pois o meu reconhecido ceticismo estava afetando a operação. Eu sorria e me afastava em respeito ao que eu não podia negar com meus parcos argumentos.

Taí , o tempo passa e os rituais mágicos ainda continuam a existir , como um chamamento ancestral dentro de nós. Não estamos contentes com a realidade , crua . Queremos cozinhar nos cladeirões, transformar e transcender realidades.

A "brincadeira do compasso" acabou na Diretoria da Escola que aconselhou as mães a observarem a influência das novelas no comportamento dos alunos ( a "novela das oito" da TV Globo , que está no ar , mostra um personagem psicótico tendo alucinações, delírios e acessos de grande ansiedade e medo).
A
Não posso deixar de mencionar. Quando fui ao Museu Afrobrasil , no Ibirapuera , dentre as coisas incríveis , o que mais me impressionou foram as vestimentas dos rituais religiosos afro-brasileiros. Haviam lá umas duas roupas em destaque , roupas de Babá Egum , feito com miçangas , búzios e espelhos costurados aos tecidos . Lindas. Mas não não só lindas , são poderosas na impressão que causam. Fiquei minutos diante delas . Observei cada detalhe , e em cima da parte que cobre a cabeça , no que os indianos chamam de "chacra da coroa", no cimo da cabeça, um espelho estrategicamente colocado. Fui pesquisar , e soube que eguns são espíritos de ancestrais africanos , que baixam nos terreiros quando invocados por danças e rituais específicos. Segundo uma professora de nossa Escola , que é praticante de religião afro-brasileira, são rituais fortes onde os eguns levam o corpo dos que vestem suas roupas a movimentos inesperados , como saltos que elevam em muitos metros o corpo do chão , e coisas assim.

Acho que se eu estivesse num ritual de egum , eu seria convidada a me afastar um pouquinho , pois meu ceticismo permanece. Hoje sou zen-budista, e prezo o zen-budismo por declarar anti-ético atrapalhar a vida dos seres "de cima ou de baixo", e por pregar o viver o momento presente. A única realidade existente é o aqui e agora, goste ou não. Tudo o mais é divertida brincadeira de nossa inventiva mente. Vale a brincadeira , se não exgerarmos . Na adolescência ainda temos poucas ferramentas para nos confrontarmos com a nossa própria loucura. É melhor deixar o espelho recoberto, por enquanto.

Imagens do catálogo do museu Afrobrasil , do Pq. do Ibirapuera.

Vestimentas de Babá Egun , Bahia , séc.XX

4 comentários:

Anônimo disse...

boa noite,mas isso que voce viu no museu naun era para estar la.a nossa ceita naum precisa de dar prova a nimguem que ela e verdadeira ou falsa.o presente naum e mas forte que o nosso passado,de onde nossos eguns abá foram os que nos deu nosso presente prospero.boa noite e procurem saber de nossos ancestras antes de falar deles.ójé obá láyó

por Mi Br disse...

caro Ojé ( é assim o seu nome ? )
Quando falo de meu "ceticismo" não estou invalidando outras crenças em favor das minhas, então , se foi assim ao contrãrio que vc compreendeu , peço-lhe desculpas sinceras. Sou adepta da defesa da liberdade religiosa e disso não abro mão.Tenho vãrios amigos e amigas com fé no candomblé e umbanda,etc.Iso me alegra. Que seja vc mais um defensor da dignidade e liberdade religiosa neste país , isto também , me alegra. Agradecida por seu comentãrio. MBC

Anônimo disse...

Olá Querida!

O culto é realizado nos candomblés no seguimento de ketu , onde nenhuma mulher pode participar ! somente homens e esta roupa ergue-se sozinha!
e também fala....

Camila de Odé!

por Mi Br disse...

Cara Camila de Odé,

Estou aprendendo muito com os comentários que me enviam os praticantes de religiões de origem africana. Vcs demonstram verdadeiro conhecimento , amor e respeito às suas tradições religiosas.
Achei muito curioso os elementos característicos do culto aos eguns apontados por vc. Agradeço muitíssimo.

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