Eu não sei o que é isso de "brincadeira do compasso" , mas meus alunos sabem. E fazem essa brincadeira , pelo prazer do medo que dá , uma adrenalina danada , e de repente - com sorte - pode-se conseguir verdadeiros espetáculos de histeria coletiva . Usa-se um papel com o compasso apontando para nomes de alunos ou pessoas de interesse do grupo.
Nesta semana que se passou , de final do mês de abril , eu não estava na escola quando aconteceu . Alunas do período da tarde promoviam essa "brincadeira do compasso" e de repente , conta-se que , "santos" e "desencarnados" baixaram, pernas entortaram , meninas choravam , outras gritavam , e que os meninos apavorados só observavam. Claro, os meninos são menos afeitos às magias . Magias são coisas de bruxas - mulheres . Os bruxos são raros na história da humanidade.
Quando adolescente , eu participava com amigas - de total confiança, diga-se! - de uma brincadeira dessas. Chamava-se "São .... " (mas, o tempo passou e o nome do santo se foi de minha memória). Punha-se uma chave de porta de quarto amarrada a um livrinho sagrado , que podia ser um missal - éramos católicas ! Daí invocava-se o santo "tal". Duas de nós colocando o livrinho suspenso com o dedo indicador de cada uma em cada um dos lados da chave . "Santo isso , Santo isso , venha aqui" , e para ter certeza de que ele estava alí , perguntávamos " Você está aqui ?" , daí não é que o livro girava para esquerda ou para direita !!!! Sensacional ! , a resposta vinha com o girar do livrinho , quando para a direita era "sim" , quando para a esquerda era "não". Era irresistível , perguntávamos se íamos passar de ano , e , claro , sobre namorados e sobre a vida alheia. Nossas utopias, desejos pessoais e curiosidades sociais eram alí resolvidas .
Era um ritual inocente , mas secreto - e isso é que tornava a coisa séria. Fazíamos sem conhecimento de nossas mães - exceto a de uma que era afeita às magias ( brancas, claro!, pois éramos todas católicas, em primeira tese). Bom , havia um detalhe , às vezes as respostas eram contraditórias, e todas as participantes eram unânimes em pedir que eu me afastasse do livrinho , pois o meu reconhecido ceticismo estava afetando a operação. Eu sorria e me afastava em respeito ao que eu não podia negar com meus parcos argumentos.
Taí , o tempo passa e os rituais mágicos ainda continuam a existir , como um chamamento ancestral dentro de nós. Não estamos contentes com a realidade , crua . Queremos cozinhar nos cladeirões, transformar e transcender realidades.
A "brincadeira do compasso" acabou na Diretoria da Escola que aconselhou as mães a observarem a influência das novelas no comportamento dos alunos ( a "novela das oito" da TV Globo , que está no ar , mostra um personagem psicótico tendo alucinações, delírios e acessos de grande ansiedade e medo).
Taí , o tempo passa e os rituais mágicos ainda continuam a existir , como um chamamento ancestral dentro de nós. Não estamos contentes com a realidade , crua . Queremos cozinhar nos cladeirões, transformar e transcender realidades.
A "brincadeira do compasso" acabou na Diretoria da Escola que aconselhou as mães a observarem a influência das novelas no comportamento dos alunos ( a "novela das oito" da TV Globo , que está no ar , mostra um personagem psicótico tendo alucinações, delírios e acessos de grande ansiedade e medo).
A
Não posso deixar de mencionar. Quando fui ao Museu Afrobrasil , no Ibirapuera , dentre as coisas incríveis , o que mais me impressionou foram as vestimentas dos rituais religiosos afro-brasileiros. Haviam lá umas duas roupas em destaque , roupas de Babá Egum , feito com miçangas , búzios e espelhos costurados aos tecidos . Lindas. Mas não não só lindas , são poderosas na impressão que causam. Fiquei minutos diante delas . Observei cada detalhe , e em cima da parte que cobre a cabeça , no que os indianos chamam de "chacra da coroa", no cimo da cabeça, um espelho estrategicamente colocado. Fui pesquisar , e soube que eguns são espíritos de ancestrais africanos , que baixam nos terreiros quando invocados por danças e rituais específicos. Segundo uma professora de nossa Escola , que é praticante de religião afro-brasileira, são rituais fortes onde os eguns levam o corpo dos que vestem suas roupas a movimentos inesperados , como saltos que elevam em muitos metros o corpo do chão , e coisas assim.
Acho que se eu estivesse num ritual de egum , eu seria convidada a me afastar um pouquinho , pois meu ceticismo permanece. Hoje sou zen-budista, e prezo o zen-budismo por declarar anti-ético atrapalhar a vida dos seres "de cima ou de baixo", e por pregar o viver o momento presente. A única realidade existente é o aqui e agora, goste ou não. Tudo o mais é divertida brincadeira de nossa inventiva mente. Vale a brincadeira , se não exgerarmos . Na adolescência ainda temos poucas ferramentas para nos confrontarmos com a nossa própria loucura. É melhor deixar o espelho recoberto, por enquanto.
Imagens do catálogo do museu Afrobrasil , do Pq. do Ibirapuera.
Vestimentas de Babá Egun , Bahia , séc.XX
4 comentários:
boa noite,mas isso que voce viu no museu naun era para estar la.a nossa ceita naum precisa de dar prova a nimguem que ela e verdadeira ou falsa.o presente naum e mas forte que o nosso passado,de onde nossos eguns abá foram os que nos deu nosso presente prospero.boa noite e procurem saber de nossos ancestras antes de falar deles.ójé obá láyó
caro Ojé ( é assim o seu nome ? )
Quando falo de meu "ceticismo" não estou invalidando outras crenças em favor das minhas, então , se foi assim ao contrãrio que vc compreendeu , peço-lhe desculpas sinceras. Sou adepta da defesa da liberdade religiosa e disso não abro mão.Tenho vãrios amigos e amigas com fé no candomblé e umbanda,etc.Iso me alegra. Que seja vc mais um defensor da dignidade e liberdade religiosa neste país , isto também , me alegra. Agradecida por seu comentãrio. MBC
Olá Querida!
O culto é realizado nos candomblés no seguimento de ketu , onde nenhuma mulher pode participar ! somente homens e esta roupa ergue-se sozinha!
e também fala....
Camila de Odé!
Cara Camila de Odé,
Estou aprendendo muito com os comentários que me enviam os praticantes de religiões de origem africana. Vcs demonstram verdadeiro conhecimento , amor e respeito às suas tradições religiosas.
Achei muito curioso os elementos característicos do culto aos eguns apontados por vc. Agradeço muitíssimo.
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