domingo, abril 19, 2009

VISSUNGOS

Ouvi hoje uma faixa do CD MILÁGRIMAS ( trilha sonora do espetáculo de Ivaldo Bertazo de 2005), do selo SESC . As músicas do espetáculo fazem o trânsito entre África e Brasil. A faixa em questão reúne três partes de canções populares (da tradição oral e musical) afro-brasileira. Lindas:


Virgem Mãe Senhora
E Soberana
A Conceição de Maria
A Conceição de Maria
se não fora Ela
Ai de nós ,
Ai de nós o que seria
Ai de nós o que seria
..........................................

Muriquinho piquinino
Muriquinho piquinino
Oi parente , de quissamba na cacunda
Purugunta aonde vai
Purugunta aonde vai
Oi parente, pru quilombo do Dumbá.
............................................................

Em Santo Amaro e Cruz das Almas e Cariolé
Eu só vou no samba no lugar que tem mulher
Só vou no samba no lugar que tem mulher, ai, ai

Ai, ai , meus amores , ai , ai
Ai, ai , meus amores , ai , ai

Quando eu era pequenino eu não sabia falar
Quando eu era pequenino eu não sabia falar
Minha mãe me ensinou a Deus do Céu eu adorar
Minha mãe me ensinou a Deus do Céu eu adorar

Ai, ai , meus amores , ai , ai
Ai, ai , meus amores , ai , ai

ó,ó,ó,ó,ó,ó, é de Cariolé
..........................................................................................

ENCONTREI coisa curiosa sobre a parte da canção que começa com “muriquinho” num blog http://muriquinhos.blogspot.com/2009/03/muriquinho-piquininho-muriquinho.html :

Diz lá que “muriquinho” é um jeito de falar “molequinho bem pequeno”. Uma palavra do linguajar popular, que quer dizer criança. O termo está presente numa cantiga popular que acompanha manifestações culturais como o jongo e a capoeira. É um canto dos escravos que conta a história de um menino pequenino que foge para um quilombo, o Quilombo de Dumbá. Foge com uma trouxinha nas costas e os outros meninos choram por não poderem ir também.” E o blog ainda traz o restinho da canção:

Cantador:
"Muriquinho piquininho,
muriquinho piquininho, oi parente,
de quissamba na cacunda.
Purugunta onde vai,
Purugunta onde vai, oi parente.
Pru quilombo do Dumbá.”

Respondedor:
“Ê chora, chora, ngongo, oi devera.
Chora, ngongo, chora.
Ê chora, chora, ngongo, oi cambada.
Chora, ngongo, chora..."

E mais encontrei em http://www.cultura.mg.gov.br/arquivos/SuplementoLiterario/File/sl-especial-outubro-2008.pdf . Nesse PDF ( bárbaro ! ), apresentam a canção do “muriquinho” como um tipo de vissungo.

Os vissungos, cantos do trabalho escravo ouvidos nos serviços das minas no séc. XVIII, característicos da região de São João da Chapada, município de Diamantina – MG, foram pesquisados e recolhidos pela primeira vez em 1928 pelo filoantropólogo Aires da Mata Machado Filho, e registrado no seu livro " O Negro e o Garimpo em Minas Gerais". Também , Clementina de Jesus, Doca e Geraldo Filme gravaram o disco O Canto dos Escravos, em que interpretaram 14 dos 65 vissungos colhidos por Machado Filho.

E aí explica o texto em PDF:

“Os vissungos (...)durante todo o período de escravidão apresentavam em suas letras palavras provenientes de línguas africanas trazidas pelos negros escravizados. Pouco se sabe, até agora, sobre os étimos dessas palavras, principalmente porque o acesso a dicionários e gramáticas das diversas línguas africanas trazidas para o Brasil ainda é muito restrito, mas pode-se afirmar que a maior parte delas provém de línguas faladas em Angola, pertencentes ao grupo lingüístico banto.
Cantados em diversas situações da vida cotidiana, seja durante o trabalho nas minas, para saudar um caminhante ou visitante, para fazer feitiço, durante as brincadeiras ou durante os enterros, os negros escravizados preservaram sua cultura à revelia dos senhores, através do canto, dos gestos, dos rituais, da performance e, principalmente, por meio da preservação de uma linguagem que se diferenciava do português por inserir as palavras que herdaram de seus ancestrais. A língua desses cantos era, provavelmente, uma língua em que se mesclavam várias línguas africanas e o português. Para as comunidades afro-brasileiras, o hábito cotidiano de cantar usando palavras africanas, desconhecidas de seus senhores, era uma forma de resistência e de manutenção do elo com as culturas de tradição banto, mantendo a ligação com os antepassados."

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns!
Segue o link atualizado:
http://www.letras.ufmg.br/padrao_cms/documentos/eventos/vivavoz/Vissungos_site.pdf
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